segunda-feira, 17 de maio de 2010

Entrevista ao prof. José Carlos Valente a propósito da celebração do dia da Europa na ESES

Porque se celebra o Dia da Europa?

O Dia da Europa começou por ser o 5 de Maio. O Conselho da Europa escolheu essa data em 1964 para comemorar a sua própria fundação em 1949. Depois, a CEE, em 1984, escolheu o dia 9, evocando a Declaração Schuman que, em 1950, deu origem à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Actualmente, o 9 de Maio é consensual entre o Conselho da Europa e a União Europeia. Mas, celebrar o Dia da Europa até deve ser mais que evocar a criação da CECA. Por exemplo, o próprio dia 9 de Maio também foi o final da II Guerra Mundial na Europa. E a Europa também é feita de muitas instituições. O Centro Norte Sul do Conselho da Europa, faz este ano 20 anos de actividade… com sede em Lisboa ! Alguém ouviu falar nisso ? A História da Europa e o seu património civilizacional facultam inúmeros temas de reflexão e, sobretudo, os problemas socioeconómicos actuais precisam ser analisados e discutidos por todos os “cidadãos europeus”.

Falar na Europa de hoje é falar de quê?

Para muitas pessoas, em Portugal, falar da Europa é falar da CEE ou da União Europeia; ou, mais concretamente, financiamentos para obras, subsídios para empresas e ONGs e viagens para estudantes. Infelizmente, os factos estão a demonstrar que precisamos falar de outras coisas; por exemplo, a identidade europeia, ou as identidades…; o papel da Europa no Mundo; um projecto institucional de integração mas, com que política, perante os Estados Unidos e a China ? Refiro-me a política económica e a política social; e penso, sobretudo, no problema, na necessidade de uma verdadeira Democracia. Aliás, logo a seguir aos “subsídios”, talvez “cidadania” seja o que se fala mais… Mas os cidadãos continuam à margem da União Europeia. Por isso, acho que falar da Europa hoje também devia ser falar – e discutir - por exemplo, o Tratado de Lisboa, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, as lições da experiência de transição política na Europa de Leste, a Carta Social Europeia ou a Convenção Cultural Europeia.


Na sua opinião, 60 anos depois da Declaração Schuman, como está a cultura Europeia?


A cultura não é exactamente o objectivo da Declaração Schuman. Trata-se do “fornecimento nos mercados francês, alemão e nos países aderentes de carvão e de aço em condições idênticas”. Aponta-se ao mesmo tempo para a “harmonização no progresso das condições de vida da mão-de-obra dessas indústrias”. Quando se atinge esse objectivo… as condições de apoio à cultura, supostamente, acompanham a melhoria das condições de vida. Mas, a actual União Europeia, tal como a CECA, tem objectivos essencialmente de integração económica; e, aplica uma “política”… e até tem uma “cultura política” para defender a economia neo-liberal que se pretende promover. Por isso, na União Europeia temos 23 milhões de desempregados e uma taxa de desemprego de 21% entre os jovens – dados de há dois meses; já devemos estar pior – e, assim, o que precisamos é de uma cultura de consciência política dos cidadãos que os leve a intervir activamente contra este estado de coisas.
Mas, também posso dizer que, 60 anos depois da Declaração Schuman, há instituições com verdadeiros objectivos culturais que muito têm feito pela cultura europeia. É o caso do Conselho da Europa, por exemplo através da Convenção Cultural Europeia de 1954, que Portugal assinou logo depois do 25 de Abril. E, já agora, também aproveito para referir a Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre o valor do Património cultural para a sociedade, assinada em… Portugal, em Faro, em 2005. Alguém ouviu falar nisso ?
De certa forma, a cultura está muito associada ao “espectáculo” e muito dominada pelo “mercado”, ao mesmo tempo que “os mercados” querem dominar o mundo e subjugar a liberdade e, portanto, também a cultura.

Neste dia qual é o seu desejo para a Europa?

A cultura, ou “as culturas” europeias, podem ser instrumento - para não dizer uma “arma”… - para os europeus se unirem pelo que têm de comum, ou de mais próximo, do ponto de vista da sua experiência política e social, e que os distingue dos modelos fabricados e agora impostos no resto do mundo.
Somos 500 milhões na União Europeia, ou 800 no Conselho da Europa. É muito? Só a China tem 1300 milhões! E então? A Europa não tem direito a um projecto próprio? Os Estados Unidos, por exemplo, têm 309 milhões e, não só têm características próprias, como querem exportar o modelo para todo o mundo e impor as suas regras ao resto da Humanidade. Claro que o problema não são estes números nem são os povos dos Estados Unidos.

… “Todos juntos num só” ou “Um só com todos juntos”?

O século XXI que, para mim, está a fazer vinte anos, começou por dar condições de expansão ao neoliberalismo, ou seja, um capitalismo financeiro mais desenfreado e especulativo em que tudo passa a ser mercadoria virtual jogada no grande circo das bolsas. Um pouco por todo o mundo, na Europa e em Portugal, andaram a dizer-nos que o Estado deve ser substituído pelo “mercado” que e os “privados” são melhores que os “públicos”. E também foi essa a tendência dominante na Europa, onde a União Europeia não soube assumir-se como modelo alternativo.
Agora, parece que “os mercados” se tornaram uma espécie de fantasmas omnipotentes e insaciáveis… e que, para os enfrentar, temos de nos unir a quem lhes abriu o caminho… numa grande cruzada de sacrifícios…

…União Europeia de “uma palavra” ou União Europeia “de palavras”?

Os altos burocratas de Bruxelas não foram dignos do que eu chamo o “património cultural político europeu”. A Europa foi o berço do liberalismo - que até exportou para a América; também inventou e aplicou o marxismo e o fascismo; mas também criou o Estado Providência, a social democracia, o socialismo democrático, a democracia cristã... sempre em prol de formas sustentáveis e equilibradas de progresso humano.
O meu desejo é que os povos europeus tomem consciência dos valores identitários e, sobretudo das lições de uma História que, depois de tantas guerras, acaba por aproximá-los deixando que percebam que podem fazer muito em conjunto, a favor de um modelo de sociedade mais justa, solidária e com verdadeira Liberdade.

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